sexta-feira, 17 de junho de 2011

Lei 12.403 - Parte I


Lei 12.403/11 comentada por Rubens Caneschi de Freitas.

1 – INTRODUÇÃO.

O presente estudo tem por objetivo delinear os contornos do novíssimo sistema de medidas cautelares adotado pelo Código de Processo Penal, trazido pela Lei nº. 12.403, de 4 de maio de 2011 e que tramitou no Congresso Nacional como Projeto de Lei nº. 4.208-C. Trata-se de uma análise das alterações ocorridas em relação às prisões processuais, medidas cautelares, liberdade provisória e fiança.
Como a maioria das alterações legislativas, a Lei nº. 12.403/11 promove mudanças, proporciona avanços importantes, porém não deixa de conter equívocos e manter hipóteses incompatíveis com um sistema processual que deve estar em consonância com os princípios e regras da Constituição.
Com a finalidade de facilitar a análise das alterações normativas, inseriu-se o texto legal revogado (caracterizado pela fonte sublinhada) abaixo de cada novo artigo (caracterizado pela formatação em itálico) do Código de Processo Penal para permitir uma comparação entre os dispositivos que sofreram modificações.
De antemão, alerta-se que o presente estudo está longe de ser uma obra acabada, completa, tendo sido escrita durante o período de vacatio legis, não contando com a análise da jurisprudência e da doutrina sobre o tema. 









2 – DAS MEDIDAS CAUTELARES COMO GÊNERO E DA LIBERDADE PROVISÓRIA.
TÍTULO IX - DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA
TÍTULO IX – DA PRISÃO E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

As inovações legislativas já se mostram presentes no Título IX do Capítulo I do Código de Processo Penal. Inseriu-se no título a previsão das medidas cautelares, gênero do qual a prisão processual passa a ser espécie. Mais adiante na obra será feita uma análise pormenorizada de cada uma delas, sendo que por hora apenas apresenta-se quais são essas espécies de medidas cautelares. São elas: I- prisão preventiva; II- prisão domiciliar; III- comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; IV- proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; V- proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; VI- proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; VII- recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; VIII- suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; IX- internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; X- fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; XI- monitoração eletrônica.


Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

A nova redação do artigo 282 faz a previsão das medidas cautelares e traça em seus incisos o regramento para a sua decretação, estabelecendo que o juiz, para tanto, deverá trabalhar com os critérios na necessidade e adequação. Conforme preleciona Aury Lopes Jr.[1], o novo texto inicia-se tímido, sem trazer um sistema principiológico próprio e robusto, banhando nos preceitos da Constituição Federal.
A crítica feita por Lopes Jr. é prudente, uma vez que o legislador só faz menção a necessidade e adequação (conceitos utilizados para análise do princípio da proporcionalidade[2]), sem estabelecer outros paradigmas de análise para auxiliar o magistrado.
Sabe-se que “o objetivo da aplicação da regra da proporcionalidade, como o próprio nome indica, é fazer com que nenhuma restrição a direitos fundamentais tome dimensões desproporcionais. É, para usar uma expressão consagrada, uma restrição às restrições. Para alcançar esse objetivo, o ato estatal deve passar pelos exames da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito[3]”. Nada mais plausível do que se evitar a desproporcionalidade quando se trabalha com restrição de direitos fundamentais (a liberdade, no presente caso). A tentativa do legislador em obrigar a análise de necessidade e adequação é admirável, no entanto não se pode deixar de criticar a sua omissão quanto ao escalonamento de outras regras aplicáveis ao caso.  
Resta ao magistrado, portanto, agir com cautela no exercício de suas funções jurisdicionais, buscando, com extremo cuidado, evitar o cometimento de abusos quando da aplicação de medidas que restrinjam o direito de liberdade do acusado/réu.
2.1.1. Princípio da Proporcionalidade (necessidade e adequação diante do caso concreto):

I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;
II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

Conforme dito acima, o legislador perdeu a possibilidade de criar um sistema de princípios próprios para a decretação das medidas cautelares. Trabalhou apenas com os critérios (subprincípios) da necessidade e adequação.
A necessidade deve ser analisada no caso concreto, verificando o juiz se realmente é o caso de se reduzir cautelarmente o direito de liberdade do imputado.
Virgílio Afonso da Silva aponta que “um ato estatal que limita um direito fundamental é somente necessário caso a realização do objetivo perseguido não possa ser promovida, com a mesma intensidade, por meio de outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido[4]”. Portanto, só há que se falar em necessidade caso a medida adotada pelo juiz seja imprescindível para se garantir as hipóteses previstas no inciso I.

Conforme o entendimento citado acima, a aplicação de medida cautelar só será necessária caso o objetivo do juiz não possa ser alcançado por outro meio. Neste prisma, deve o magistrado tentar aplicar o instituto que melhor satisfaça suas pretensões (garantir a aplicação da lei penal, por exemplo) e que, ao mesmo tempo, viole o mínimo possível a liberdade.
O inciso I traz hipóteses que podem ser avaliadas de forma isolada, ou seja, basta que haja uma ou outra para que seja autorizada a aplicação da medida. Atente-se para a utilização da disjuntiva ou neste inciso, o que demonstra a alternatividade de opções dadas pelo legislador ao juiz.
A primeira das alternativas previstas no texto é a de quando houver fundado receio de que a aplicação da lei penal restará prejudicada em razão de estar o réu solto. Objetivamente, o que busca o legislador com esta previsão é evitar que ocorra a fuga daquele que está sendo processado criminalmente.
A segunda hipótese trata dos casos em que a liberdade do réu cause entraves ou problemas à investigação ou instrução criminal. Trata-se de situações em que há, por exemplo, coação a testemunhas, desaparecimento, destruição ou deterioração dos objetos utilizados pelo crime, etc. Nestes casos, torna-se necessário impor ao réu medidas que façam cessar qualquer forma de obstrução à persecução penal.
Situação temerária é a prevista na parte final do inciso I do artigo 282, pois trabalha com a expressão “para evitar a prática de infrações penais”. Deve haver um cuidado extremo ao se lidar com a decretação de medidas cautelares com base neste requisito, uma vez que fazer previsão do futuro não é tarefa dos magistrados. Simples intuições do juiz, ou expectativas de que o réu volte a delinqüir não podem autorizar o cerceamento de sua liberdade. Bom seria se esta previsão não existisse, mas como se encontra no texto legal, deve o aplicador da lei ter muita sensibilidade diante do caso concreto, evitando-se ao máximo o cometimento de abusos. Se a decretação da medida se der com base neste critério, deve o magistrado se valer de uma maior carga de fundamentação diante do caso concreto, buscando, repita-se uma vez mais, evitar a prática de arbitrariedades.  
Quanto ao critério da adequação, verifica-se que se impõe ao julgador o dever de analisar qual a “melhor” (a mais adequada) medida cautelar a ser imposta ao indiciado/réu diante do caso concreto. Como o novo sistema de medidas cautelares apresenta um variado rol de opções para o magistrado, este deve ter o cuidado de selecionar a medida menos gravosa ao status libertatis do acusado e que apresente a maior efetividade possível.
O juiz tem que ponderar o critério binário restrição da liberdade/medida cautelar mais efetiva antes de impor ao indiciado/réu qualquer instrumento que interfira no seu direito de liberdade.
Esta ponderação, prevê o legislador, será feita tomando-se por base 3 critérios que devem ser observados de forma conjunta: gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do agente.
De fato, a adequação deve ser ponderada levando-se em conta todos esses elementos de uma só vez, posto que a análise individual, de forma isolada, poderia dar azo ao cometimento de arbitrariedades. Imagine se o juiz pudesse trabalhar somente com as condições pessoais do indiciado ou acusado? Seria aberta uma porta para se lidar com o temido direito penal do autor! Daí a preocupação do legislador em fazer uso da partícula aditiva e no inciso II, e não ou como fez no inciso I, dando a entender que o critério da adequação deve ser avaliado com base no somatório de cada um desses elementos.  
A avaliação da gravidade do crime nunca poderá ser feita em abstrato, somente em cada caso concreto, tomando-se em consideração a forma pela qual o crime foi praticado, os motivos determinantes da ação do agente, v.g., se agiu por vingança, por motivo banal ou fútil, se atuou de forma premeditada.  
As circunstâncias do fato devem se englobadas na análise da gravidade do crime. Em termos práticos se torna difícil traçar uma linha divisória capaz de diferenciar uma da outra. As circunstâncias de um crime irão contribuir para se avaliar a gravidade com a qual o ato foi praticado.
Quanto às condições pessoais do indiciado ou acusado o legislador abriu margem para que juízos de valor sobre a personalidade, comportamento, reincidência, vida pregressa e outros critérios “lombrosianos” sejam levados em conta para se avaliar a imposição das medidas cautelares. 
Em termos gerais, o juiz deve sempre trabalhar com o princípio da proporcionalidade no caso concreto, sendo esta a alternativa que menos abre portas para a prática de abusos contra o direito de liberdade. Em termos conclusivos sobre a proporcionalidade, José Ricardo Cunha assevera que deve ser entendida “genericamente como adequação entre meios e fins, visando a menor restrição possível a um bem jurídico protegido que, no caso concreto, tem de ceder a outro bem igualmente protegido. Trata-se da busca da ‘justa medida’ consagrada no direito segundo um ‘equilíbrio de interesses reciprocamente contrapostos na linha do menor prejuízo possível’ (LARENZ, 1989:514)[5]”. Neste diapasão, proporcional será a medida cautelar que trará o menor prejuízo ao réu com a utilização do acautelamento mais eficiente.

§1º. As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente.

Como o juiz possui um variado rol de medidas passíveis de serem tomadas, deve ponderar se as aplicará de forma individual ou combinadas entre si. Ressalte-se que esta análise, conforme escrito nas linhas supra, deve ser sempre feita com base nos critérios (ou subprincípios da proporcionalidade) da necessidade e adequação, e obrigatoriamente de forma escrita e fundamentada, obedecendo-se assim aos artigos 5º, inciso LXI, e 93, inciso IX, da Constituição.
Num primeiro momento, não se verifica qualquer empecilho para que o juiz aplique mais de uma medida cautelar de uma só vez, desde que haja necessidade e adequação diante do caso concreto. No entanto, é plausível que sempre seja tentada a aplicação individual e gradual das várias medidas, preservando-se o máximo possível o direito de liberdade, em respeito ao garantismo estabelecido pela Constituição de 1988, onde o ideal é que o direito penal seja o menos invasivo possível.
Questão que merece atenção é em relação à quantidade possível de cumulação das medidas cautelares, ou seja, se o juiz está vinculado a um limite ou se poderia, de uma só vez, aplicar todas elas?
Entende-se que, havendo compatibilidade, nada impede que o juiz aplique 2, 3, 4 ou mais, ressaltando-se sempre de que deverá haver uma análise do caso concreto com base no princípio da proporcionalidade.
Maiores considerações serão feitas quando da análise do §4º do artigo 282 do CPP.

2.1.3. Decretação de ofício, mediante representação ou requerimento:

§ 2º. As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.

O §2º mantém a infeliz possibilidade de que o juiz, durante a fase processual, decrete de ofício medidas cautelares, quebrando assim com o sistema acusatório previsto na Constituição[6]. Faz permanecer no código a sua característica de não ser bem resolvido quanto a critérios dogmáticos, demonstrando sua confusão em optar entre um sistema acusatório ou um sistema medieval inquisitório. Continua a possibilitar que juízes realizem ativismo judicial, violando a dialética que deve reinar no sistema processual, maculando a inércia que deve permear a sua atividade.

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